Contos de Timeliz – Uma lembrança de Zatolanin
Estava ele ali olhando um dos “Grandes Pilares”, símbolos da união entre
os povos terrestres e aquáticos, mas seus pensamentos estavam anos atrás. Quem
o via, notava um leve feixe de luz sobre ele, provindo do cristal. No chão, se
projetava uma sombra de seu corpo, mas, ondulava como se estivesse sobre águas.
Ele não se apercebia disso, pois ele mesmo estava como se imerso em pensamentos
profundos e via apenas um brilho vindo do cristal.
Estava amanhecendo, e o sol brilhava, mas não ardia, sentia o vento frio
e limpo da manhã o que mexeu com suas emoções o suficiente para gerar uma
lágrima. Não havia motivos para esta, pelo menos naquele instante. Era uma
praia linda que se estendia a perder de vista tanto pro norte como pro sul, o
sol estava sorrindo com um brilho encantador, capaz de fazer até um anão
expressar elogios, as águas escuras do “Fongrerir” geralmente agitadas estavam
calmas e o local era um campo de vitória. Se por sorte ou providência, estava
só, o que não gerou interrupções, porém também não houve plateia.
Era difícil imaginar que um local desse fosse um dos palcos de grandes
feitos de guerra, se não fosse às ruínas de um posto avançado, usados pelas
forças terrestres durante a invasão dos seres aquáticos, período em que
“navegar era perigo”! E que graças ao descobrimento da eletricidade o fim dos
combates foi conquistado. A despeito disso, Zatolanin, viajou há uns quinze
anos atrás em pensamentos, quando ainda era soldado da infantaria humana, em
pleno combate com os “sererianos serpentinos” durante o cerco da antiga capital
sereriana, “Glangan-blumg”, o que na língua dos humanos quer dizer “Cidades de
Corais”. Lembra-se muito bem daquele dia em que tombou um grande guerreiro e
amigo. “- O que estaríamos fazendo agora meu amigo?” - perguntava-se -
estaríamos nos aventurando em outras guerras, ou construindo um aconchego de
lar?
“Conseguira conquistar o amor de sua amada, ou precisaria de minha ajuda
como sempre?”. Vívidas eram as lembranças de Zatolanin.
Sentia o esforço de carregar por três quilômetros o corpo morto de seu
amigo até o posto avançado de “Terra Baixa”, sentindo o mesmo vento frio. Os
acenos dos vigias apontando para os inimigos que estavam nos calcanhares dele,
o raciocínio de saber de quem mais odiavam, se os sererianos ou seu capitão.
Uma ânsia de ódio crescia em seu coração, nunca ele desobedeceu a uma ordem e
nunca imaginava que ao fazer isso poderia fazer algo mais terrível, porém mesmo
que o tempo não importasse o espaço sim, pois os sererianos estavam
alcançando-os e não se via nenhum movimento por parte dos humanos no forte, já
estava se preparando para uma morte digna.
Sentiu a vontade de puxar ar, sem esforço justificado, estava cansado.
Ainda continuava a olhar com admiração o brilho e novamente mergulhou em
pensamento, via batalhões e batalhões de elfos alvus e esros, anões e suas
máquinas e grades homens e suas armas afiadas. A resistência mais parecia o
lado opressor, de tão esplêndida suas hostes. No entanto, os invasores que
antes tinham avançados, perderam terreno e estavam sob cerco, separado do
comando principal de suas forças, ainda era um grande exército e estavam em
umas de suas principais cidades. Os primeiros confrontos foram rápidos e leves,
com ataque às distâncias, como era de se esperar o combate entre os exércitos
fora violentas e destrutivas e o exército terrestre obtiveram a vitória.
Acuados em sua cidade de coral, resistiram bravamente o bombardeio dos
exércitos terrestres.
A Cidade de Corais era diferente de uma cidade terrestre pelo fato de,
apesar de ter partes expostas ao ar, sua localização era submersa e estendida
por quilômetro abaixo d’água. Sua formação seguia a geografia do terreno e como
eram costumes dos sererianos, não tinha mudanças mais drásticas do que a
construção de cavernas e conjuntos de cavernas de corais que usavam como
moradia. A arquitetura era disforme e pouco se importava com cores, mas havia
um valor singular para materiais brilhantes e as cavernas mais importantes eram
feitas desses. Como era de se esperar não havia grandes prédios ou construções
que eram necessárias nas cidades terrestres como pontes, mas se olhassem com
mais atenção, poderíamos perceber a presenças de grandes arcos e pilares com construções
delicadamente elaboradas, com materiais até então desconhecidos pelo povo da
superfície e jardins com uma enorme variedade de plantas aquáticas. Também
havia enormes cardumes de peixes por entre os corais, que mesmo sendo a
principal dieta dos sererianos, não se rareava e nem se afugentavam.
Os sererianos dessa época eram em média duas vezes maiores que um homem
adulto, tinha escamas que brilhavam enquanto úmidas, variava em formato e cor
conforme a espécie, por viverem constantemente nadando e assim se exercitando,
eram fortes e musculosos, mesmo suas fêmeas. As maiorias das espécies
sererianas, possuíam os membros superiores semelhantes às espécies terrestres,
ou seja, braços e mãos articulados. Os membros inferiores há dois tipos
dominantes, “os membrais” que possuem membros distintos e em pares semelhantes
a pernas, estando na superfície se apoiavam nele e os utilizavam para se
deslocarem; “os serpentinos” possuem desde o tronco uma forma semelhante às
cobras, que vindo do tronco, tem o mesmo diâmetro deste, mas à medida que vai
se afasta do troco e se aproxima do final, diminui a ponto de não raro não se
perceber onde inicia a cauda. No entanto, são os que curiosamente se mantêm
mais ereto.
Os primeiros confrontos foram vencidos pelas forças terrestres, forçando
os invasores a recuar e se refugiarem em sua cidade submersa. O otimismo dessa
vitória fora acompanhado pelo orgulho e consequentemente gerou muitos descuidos.
Maior foi à subestimação, as força terrestres esqueceram que eram na verdade a
resistência e achando que tinham a vitória na mão imprudentemente avançaram até
a margem do rio, onde estava a cidade e empreenderam um ataque maciço e inútil
sobre a cidade. Tinha-se uma semana de combates e este fora o mais bem sucedido
contra-ataque das forças terrestres, pois expulsou os invasores até seu ponto
de partida e chegando as águas destes. Mas, empreenderam-se num ataque
demasiado cedo, pois não consideraram com seriedade que estavam no território
inimigo e que este estava acuado e não revelado todas as suas força, bem como
também não estarem preparados para um ataque contra uma cidade submersa, pois
em seu “bombardeio” utilizavam pedras nuas ou revestidas de uma substância
inflamável e utilizando-as, atingiram apenas o que estava a um quilômetro da
margem e quanto às pedras em chamas tinham os efeitos retardados quando tocavam
a água. Nesse empreendimento, desgastaram-se a um custo mais alto do que o
retorno dos resultados, e foram surpreendidos com o avanço das forças
sererianas num ataque repentino e poderoso, revelando inúmeros recursos até
então desconhecidos, inclusive pelos elfos. Apareceram gigantescos crustáceos
de várias garras, uns eram montados outros não, também um ser que parecia ser
um sapo com a boca que afunilava para frente, mas que tinha apenas dois membros
natatórios que utilizava para se deslocar, e este além de feder muito, cuspia
uma substância verde escura e viscosa que entrando em contato com a pele
queimava terrivelmente. Eles arremessavam uns ouriços escuros que estando a
certa distância inflava e lançava seus espinhos a uma velocidade incrível que
ultrapassava a maioria dos escudos.
O avanço foi terrível e se aglomeravam as baixas das forças terrestres,
não podendo sustentar o confronto, bateram em retirada e se não fosse pelo
batalhão dos homens vindo da cidade de Perlos, o massacre seria maior, pois
estes faziam a cobertura dos que estavam em retirada, fizeram isso a um alto
custo, sobrevivendo a esse ataque apenas três soldados dos mil e quinhentos que
iniciaram a campanha. E deste Zatolanin era um.
Zatolanin tinha um amigo de infância que juntos eram terríveis, tinham
um entrosamento incrível e pareciam que juntos valiam mais que vintes homens. Nesse
dia tinham a patente baixa e estavam sobe ordens de um capitão covarde, que
mesmo tendo ordens de seu comandante de proteger a retirada das forças
terrestres, dava ordens de retirada de seu próprio batalhão. Os dois
desconsideravam as ordens de seu capitão e mantinham a firmeza necessária.
Porém, tal bravura tem seu preço e num avanço de um crustáceo montado, o amigo
de Zatolanin fora ferido no braço e perna esquerda tombando mais não morrendo.
Zatolanin, horrorizado com a queda de seu amigo entra em fúria e o mais valente
entre os sererianos fugiam diante dele. Vencido pelo cansaço fora pego pelos
elfos alvus e levado a um monte onde a batalha era mais branda, isso foi
possível graças à fúria de Zatolanin. Recuperado, solicita ajuda para buscar
seu amigo tombado, porém seu capitão há muito havia acovardado, e recusou a
ajuda como repetiu a ordem de retirada. “- O campo todo está nos controles
deles, e estamos em retirada, como és capaz de me pedir para voltar?!”.
Por uns segundos Zatolanin ficou confuso com respeito a quem mais
odiaria, se os sererianos ou seu capitão, respirou fundo preferindo pensar
apenas no resgate que deveria ser feito. Como percebeu que ninguém o
acompanharia voltou ao campo de batalha sorrateiramente.
Parou para pensar e refletir o como deveria fazer o resgate sem chamar a
atenção dos sererianos, que no momento estavam voltando da perseguição.
Concluiu que não tinha muito tempo, pois era conhecido que os sererianos eram
instáveis quanto a prisioneiros e temeu pelo pior. O ponto a seu favor era que
estava anoitecendo e utilizaria isso da melhor maneira, no entanto, estava
ciente que a visão dos sererianos é muito boa na escuridão. A lua iluminava
parcamente, o suficiente pra distinguir as coisas em volta de um raio de três metros.
Deslocou-se com cuidado, pois os sererianos estavam recolhendo tanto os feridos
seus como os do “povo da terra” e não queria ser contado como um sobrevivente,
na verdade queria não ser notado mesmo. Temia passar por um dos seus e este
clamar por ajuda, o que revelaria sua posição, por isso, preferiu não arriscar
esse infortúnio e atrasar sua busca. Com esforço, conseguiu encontrar seu
amigo, conteve a alegria e o pegou com cuidado, pois sabia de seus ferimentos.
No entanto, só ouviu suas últimas palavras e sentiu uma mão segurar seu pé, em
seguida ocorre o que tanto temia, um sobrevivente grita por socorro o obrigando
a sair o mais urgente possível. Carregando o corpo de seu amigo, trilhou
caminhos às cegas ouvindo os sons da chegada dos sererianos ao local do grito,
depois ouviu outro grito da mesma vos, mas de forma mais conclusiva. Seguia o
mais rápido que podia, pois sabia que cedo ou tarde sua trilha seria descoberta
e logo se teria a perseguição.
Tinha percorrido apenas dois quilômetros de distância em linha reta, mas
uns fizera cinco devido aos desvios que foram necessários por causa da presença
aqui e acolá de um sereiano, infelizmente fora descoberto já tendo a vista o
“Forte de Terra Baixa”. Lutou com cinco inimigos individualmente, e acredita-se
que estes que tombaram, ficaram petrificados diante da fúria de Zatolanin e seu
nome ficou respeitado entre os povos das águas.
Ainda estava longe quando as força inimigas seguia em velocidade e os
alcançaria em minutos e não vinha nenhum movimento por parte dos seus, estava
já começando a se preparar para um fim honroso mantendo posição de defesa,
quando viu os sererianos recuarem ante um ataque de dragões, que furiosamente
arrasaram os perseguidores.
Os dragões não tinham tomado partido na guerra desde então, mais de
alguma forma simpatizaram com Zatolanin e este reverenciou o líder dragão sem
saber os dois que muitos séculos depois seus descendentes ainda estariam
lutando lado a lado.
Acordando de seus pensamentos, Zatolanin percebeu que o brilho desaparece
e este se retira de frente do “Grande Pilar”, retorna sua forma austera de
“Capitão das forças humanas do Norte” e prossegue em direção a seu barco, porém
nem sua patente, nem seu porte austero, seguram a lágrima que cai de seu olho e
ele não precisa do cristal pra lembrar as últimas palavras de seu querido
amigo:- Eu sabia que você
voltaria!
Elton Carlos
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